A proposta que aumenta o rendimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que tramita no Congresso, é "irresponsável", "ilude o trabalhador" e representa a maior ameaça hoje ao setor da construção civil.

A afirmação é de Rodrigo Osmo, diretor-presidente da Tenda, construtora que pertence à Gafisa e que opera no segmento atendido pelo programa de habitação popular Minha Casa, Minha Vida.

É do fundo que vêm os recursos para o financiamento dos compradores.

Se aprovado, o projeto "reduzirá substancialmente a capacidade do FGTS de ser propulsor de projetos habitacionais", afirma o executivo.

Apesar da crise econômica, as vendas da Tenda no primeiro semestre mais que dobraram em relação ao mesmo período de 2014. "O contraponto é a concorrência, que está cada vez menor", diz Osmo.

Comprada em 2008, a Tenda deu tanto problema que ameaçou levar a própria Gafisa à bancarrota. Depois de uma longa reestruturação, voltou a dar lucro neste ano e, na contramão do mercado, vem aumentando agressivamente os lançamentos. Leia a seguir entrevista à Folha.

Folha - A Tenda aumentou de forma expressiva os lançamentos. É algo sustentável?

Osmo - Não estamos sentindo uma piora de mercado. Depois do processo de reestruturação, o grande gargalo é ganharmos escala. Apesar do maior aperto de crédito dos bancos públicos, a menor concorrência tem feito com que nossa velocidade de venda continue bastante forte. A dificuldade que temos é a quantidade de lançamentos que conseguimos fazer. Gostaríamos de avançar mais.

O recuo das grandes incorporadoras deixou um vácuo?

Claramente ficou um vácuo. Entre as empresas que fazem parte da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), 17 tinham uma atuação representativa na faixa 2 do Minha Casa, Minha Vida em 2010. Em 2014, esse número caiu para 3: Tenda, MRV e Moura Dubeux.

O que aconteceu? Todo o mundo diversificou e só então foi entender o que tinha de diferencial competitivo. E poucas tinham.

Apesar de o modelo financeiro da faixa 2 [para famílias com renda mensal de R$ 3.275] em teoria ser muito interessante, ele é de difícil execução. É quase um modelo de varejo. Tem margens muito baixas e giro muito alto. Se você não tem excelência na execução, sua economia se deteriora completamente. Só quem tinha execução muito calibrada sobreviveu.

Na verdade, a grande vencedora desse processo foi a MRV, que domina a faixa 2. A história da Tenda é menos uma história de excelência na execução desde o início e muito mais uma história de ser uma empresa grande demais para quebrar.

Não dava para desistir do segmento como as outras?

Investimos muito. Em 2011, a Gafisa percebeu que a Tenda não dava o retorno esperado –pelo contrário, a performance era terrível– e decidiu pisar no freio. Mas o investimento tinha sido tão grande que precisaríamos de quatro anos para sair do segmento. E, se não saíssemos de forma ordenada, haveria risco para a solvência do grupo.

Enquanto todos saíam, tivemos de ficar, porque precisávamos resolver um problemão. Adquirimos competências importantes para atuar na baixa renda e, quando olhamos para o lado... ué, todo o mundo saiu!

Foi nesse momento, em 2013, dois anos depois de pararmos os lançamentos em baixa renda, que começamos a testar o projeto-piloto [do novo modelo de negócios da Tenda]. E a performance foi muito boa.

Quantos canteiros de obra a Tenda tem hoje?

São 20 canteiros. No começo de 2012, tínhamos 110. Paramos de lançar só para resolver o legado. Era uma loucura de gestão. Desses 110, sobraram 2 que iremos entregar neste trimestre. São os últimos. Eles tinham margens terríveis, muitas delas negativas. Até porque estavam muito atrasados.

Os atrasos não prejudicaram a imagem da Tenda?

Muito menos do que se imagina. Os atrasos são muito ruins. Obviamente foi vergonhoso o que a empresa involuntariamente acabou fazendo com vários de seus clientes. Mas os clientes veem a Tenda como uma empresa grande num mercado em que vários concorrentes são pequenos. O atraso é menos relevante do que o risco de não haver entrega. Atrasamos, mas entregamos todos.

O processo de separação de Tenda e Gafisa já está bem avançado. Foi um erro ter juntado às companhias?

Em retrospecto, é difícil dizer que a compra tenha sido um grande acerto. A Tenda gerou R$ 1 bilhão de prejuízo. Teve a questão de colocar em risco a liquidez do grupo.

A junção não foi a alternativa escolhida originalmente. Não faz sentido manter empresas com focos tão diferentes sob o mesmo guarda-chuva. Mas lá atrás era uma necessidade.

A separação não prejudicará a Gafisa? Ao contrário da Tenda, ela está com vendas e lançamentos em queda neste ano.

Há dois anos era o inverso. Não faz sentido o acionista que quer investir em Gafisa e a própria Gafisa carregarem uma start-up [empresa iniciante] que ainda não se provou como a Tenda. A Gafisa é muito sólida.

O lançamento de ações da Tenda é inevitável?

É inevitável. Antes disso, é importante equalizar a estrutura de capital. A Tenda tem mais caixa do que dívida. É importante aumentar o caixa da Gafisa. Mas fazer isso num momento em que credores estão todos em compasso de espera é difícil. É o que tem atrasado. As empresas estão praticamente prontas.

Com caixa, a Tenda não pode se tornar uma consolidadora do setor de baixa renda?

Não vejo valor em adquirir. Nosso modelo de negócios é muito especializado e muito diferente do que qualquer empresa faz hoje. Temos comprado muitos terrenos de outras incorporadoras.

A previsão de recessão agora também em 2016 muda o plano de negócios da empresa?

O cenário tem se deteriorado. Vemos que a renda disponível do cliente caiu. Mais do que o desemprego, sentimos os efeitos indiretos sobre a renda dos potenciais clientes. Ele tem uma venda e tirava R$ 3.000. Agora, R$ 2.000. Então, para ele, não está na hora de pensar em imóvel. As vendas não têm caído, porque o contraponto é a concorrência, que está cada vez menor. Caixa e Banco do Brasil têm apertado muito o rigor da concessão.

A probabilidade de converter um cliente na loja tem caído mês a mês. Como contrapomos? Colocando cada vez mais gente nas nossas lojas. Com mais marketing.

Como avalia a mudança de proposta no FGTS?

O projeto beira o irresponsável. Tem o mérito de colocar em discussão o rendimento maior do trabalhador, o que é legítimo, correto e tem de ser feito. Mas a mecânica usada é contraproducente. Ela ilude o trabalhador e, se vier a ser colocada em prática, destruirá a questão social do FGTS.

A consequência prática é que o custo do funding aumentará tanto que reduzirá substancialmente a capacidade do FGTS de ser propulsor de projetos habitacionais.

É o principal risco para o negócio da Tenda hoje?

Virou o principal risco. A nossa sorte é que não é um risco só para o setor, mas para o Brasil. Foi quase uma sorte. O que foi aprovado é tão horroroso que vai ter que ser resolvido de alguma maneira.

RAIO-X

Cargo - Diretor-presidente da Tenda

Formação - Engenheiro químico pela USP com MBA pela Harvard Business School (EUA)

Trajetória - Foi diretor de desenvolvimento e novos negócios da Gafisa, diretor-superintendente da Alphaville Urbanismo e diretor financeiro da Gafisa