Marcia Dessen

Laura e Carlos precisam tomar uma decisão muito, muito importante. Não bastasse a importância da decisão, têm de lidar com a pressão do tempo, não dá para adiar, tem de ser agora. Eles moram em uma casa enorme, dentro de um condomínio afastado da cidade. Compraram a casa, anos atrás, pelo mesmo preço da venda de um apartamento, muito menor, localizado em um dos bairros mais valorizados da cidade.

Muito espaço, jardim maravilhoso, piscina para se refrescar nos dias de calor, espaço para os carros antigos que Carlos coleciona, conforto para toda a família. O lado cruel dessa história é que toda essa abundância e conveniência custam caro. Além do salário e de encargos sociais dos funcionários, a despesa com supermercado e afins assusta. Os gastos com deslocamento diário para trabalho, cursos e vida social, também.

A família gasta mais do que ganha e está, aos poucos, delapidando o patrimônio. De tempos em tempos, um imóvel é vendido para gerar caixa suficiente para complementar o fluxo de caixa dos meses seguintes. Quanto tempo de gastança o patrimônio aguenta? Essa preocupação está tirando o sono de Laura. Ela está cansada, quer reduzir despesas, ter menos trabalho, simplificar a vida. Carlos prefere não fazer conta, deixar as coisas como estão, o que deixa Laura ainda mais aflita.

QUANTO VALE

A casa deve ser vendida, se o casal aceitar o valor de mercado, por R$ 1,75 milhão. Infelizmente o preço do m nos bairros onde querem voltar a morar é bem maior que no bairro onde moram hoje. Comprar é pouco viável pois teriam de tirar dinheiro do bolso quando precisam do contrário, vender por um valor maior do que custaria o novo imóvel. Alugar é uma opção, mas como enfrentar o preconceito de morar de aluguel?

CABEÇA

Vamos dar uma olhadinha no ambiente econômico: inflação alta, taxa de juros de 14,25% ao ano, favorável para quem tem dinheiro para investir. No mercado imobiliário, a oferta de imóveis é maior que a procura. Favorável para comprar e mais favorável ainda para alugar. É possível alugar pagando 0,4% ao mês (5% ao ano) sobre o valor do imóvel, muito abaixo do custo de oportunidade disponível no mercado financeiro. Excelente negócio para o inquilino, péssimo para o proprietário.

Laura e Carlos podem vender a casa e investir o dinheiro em um banco a 90% da taxa DI, líquida de impostos, e receber juros de R$ 17.500 ao mês. Supondo que a taxa de juros pode cair nos próximos anos, é razoável imaginar rendimentos mensais de R$ 15.000, equivalentes a 0,85%. Podem usar metade desse dinheiro para pagar o aluguel e colocar a outra metade no bolso!

CORAÇÃO

Mas, se o coração falar mais alto, a oportunidade financeira será desperdiçada. É possível que não vendam a casa porque não apareceu alguém que consegue ver as mesmas coisas que eles valorizam tanto, a ponto de pagar o preço que eles acham que vale.

E vão continuar onde estão, gastando mais do que ganham, esperando um milagre, uma agulha no palheiro: comprar um imóvel em um dos melhores bairros da cidade pelo mesmo preço do m da casa onde moram; ou encontrar um comprador que tope fazer uma permuta, sair da capital em busca de um recanto mais tranquilo, amplo, sonho que eles acalentaram e realizaram um dia.

Decisão nada fácil de tomar. Mais complicada ainda se marido e mulher tiverem percepções diferentes do assunto. Cabeça e coração se digladiando em um turbilhão de pensamentos e emoções, vantagens e desvantagens se contrapondo, tornando difícil a tomada de decisão.

Com uma calculadora na mão, a escolha seria pelo aluguel. Aliás, Laura tem um primo que sempre morou de aluguel, nunca quis comprar um imóvel, embora tenha amplas condições de fazer isso. Acumulou uma boa fortuna aplicando o dinheiro no mercado financeiro, pagando aluguel menor que os juros que recebe e colocando a diferença no bolso.

Se dermos voz ao coração, a decisão é outra, comprar e realizar o sonho de morar na casa própria, sentir a segurança e o conforto de morar nessa casa, na minha casa e daqui ninguém me tira! Para complicar um pouco, não tem certo ou errado nessa história. Não existe verdade absoluta considerando a complexidade e a quantidade das variáveis que envolvem a escolha.